sexta-feira, 19 de maio de 2017

Nem sempre é o que parece


Encarei o antigo casarão com um frio subindo a espinha. Entrava ou não? Balancei a cabeça negativamente. Todas as pistas coletadas me levavam até aquele lugar e uma vida estava em jogo: não era hora para desistir.

Passei pelo portão alto e enferrujado e fui até a porta que já estava meio aberta. Respirei fundo mais uma vez antes de empurrá-la o suficiente para que eu entrasse e assim que coloquei os pés para dentro ouvi o piso de madeira ranger sob meu peso.
“Maldita lasanha” - ralhei mentalmente. 

Voltei a caminhar observando tudo ao meu redor. Não era muito diferente de outras casas abandonadas: móveis espalhados pelos cômodos, vidros quebrados pelo chão, uma camada grossa de poeira sobre toda e qualquer superfície. Comecei a rezar para que minha rinite alérgica não resolvesse dar o ar da graça enquanto estivesse lá dentro. 

Fui tirada de meus devaneios por um barulho no andar superior que nem preciso dizer que fez meu ritmo cardíaco aumentar consideravelmente. Permaneci encarando o teto por alguns segundos como se minha visão de raio-X inexistente começasse a funcionar, mas como não começou, tive que tomar coragem e me dirigi até as escadas. 

Estiquei o pescoço para tentar ver algo, mas sem sucesso, comecei a subir os degraus, que como o resto da casa, rangia sob meus pés. Cheguei ao segundo andar com os olhos encarando todo e qualquer movimento, mas o que quer que fosse que tivesse feito o barulho deveria estar em um dos quartos e não no meio do corredor. 

Olhei da direita para a esquerda demoradamente. Para que lado ir? Eu me fazia essa pergunta, mas já sabia a resposta. Mesmo sem nenhum movimento um barulho baixo e contínuo vinha da última porta do corredor à minha direita, e era para lá que eu deveria ir. 

Respirei fundo pela décima vez nos últimos cinco minutos e fui até o quarto, andando consideravelmente devagar para que as tábuas sob meus pés não fizessem barulho.

Depois de angustiantes minutos finalmente cheguei até a porta que se encontrava entreaberta e espiei lá dentro. O cômodo estava com todos seus móveis arrastados para as extremidades, mas o que me chamou a atenção não foi isso e sim o assassino no meio do quarto, que se debruçava sobre sua vítima em uma poça de sangue. 

Arregalei os olhos enquanto meu coração disparava, martelando no peito. Uma pessoa normal gritaria ou sairia correndo, mas meu corpo resolveu brincar de estátua, permanecendo petrificado no lugar. 

Quando finalmente consegui me mexer percebi que minhas mãos tremiam. Fechei os olhos e cerrei os punhos tentando me acalmar, entrar em pânico só pioraria a situação. 

Assim que voltei a abrir os olhos somente um pensamento brilhava em minha mente como uma placa de "neon": SAIA DAÍ! E foi o que fiz me afastando da porta em direção à escada.

- Creck!

Baixei o olhar para o pedaço de madeira partido em dois sob meu pé.

“Droga.”

A movimentação no quarto atrás de mim foi o suficiente para que meu corpo se mexesse sozinho. Sem mais alternativas, comecei a correr.

Eu já descia a escada pulando de dois em dois degraus quando a porta bateu estrondosamente, os rangidos altos e violentos mostrando que meu perseguidor não teria piedade se me alcançasse.  

Os móveis no primeiro andar pareciam ter se reagrupado propositalmente ficando em meu caminho. Tive que pular por cadeiras quebradas, desviar de estantes vazias e empurrar cômodas parcialmente desmontadas.

Quando finalmente alcancei o trinco da porta ouvi uma das cômodas ser violentamente quebrada. Ele estava ali.

Admito que foi mais instinto do que razão, mas sem olhar para trás saí e fechei a porta, confinando meu perseguidor dentro da casa.

Travei o trinco com uma cadeira velha da varanda, enquanto o segurava com as mãos trêmulas. 

A porta estremeceu com o impacto vindo de dentro, mas a mantive fechada. Mais três pancadas e finalmente o silêncio.

Já estava pronta para comemorar quando a janela ao meu lado explodiu em um mar de cacos de vidro.

Deixei a porta para trás e corri até minha última barreira: o portão. Por sorte o deixei aberto, então só precisei puxá-lo ao passar. 

Assim que a trava fechou meu perseguidor atirou-se furiosamente contra o metal, me obrigando a recuar alguns passos.

Ele arranhava e empurrava o portão repetidas vezes sem sucesso. Finalmente consegui respirar aliviada, mas tenho certeza que aqueles olhos negros e as presas pontiagudas povoariam meus sonhos por algumas noites.

No caminho para casa peguei meu celular e liguei para minha avó.

- Vovó encontrei sua galinha, mas não acho que a senhora vai querê-la de volta.

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