quarta-feira, 5 de julho de 2017

Roteiro


O mundo está cheio de pessoas vazias, vazias de conteúdo, de vontades, de sonhos. Indivíduos murchos como balão em fim de festa. O ar é cinza, sem amor. 
O cardápio de programas e eventos para se participar é amplo, uma infinidade de clubes e barzinhos, no entanto, aos amantes de bons momentos duradouros: lágrimas, pois no extenso aqui fora, o menu não passa de bebida a riso temporário.
Corações estão indo a fundo, o poço que emite as ondas de tum tum é profundo - cabem muitas desilusões lá - agora os amores meu bem, os amores são rasos. 
Já dizia Zygmunt Bauman - sociólogo que abrange temas da modernidade - que na sociedade contemporânea "o amor é líquido", os sentimentos são indefinidos e passageiros. Volto pro poço, e concluo: deve ser por isso que tem tanto amor desperdiçado escorrendo por lá...
Percebo que na atual sociedade, a luta para não se sentir incompleto é constante, e ironicamente, ao passo que vivo, descubro que é preciso ser muito cheio para ser completo sozinho. Caminhamos então para a saída: a guerra de atenção. As regras são claras, quem pode mais - chama menos, responde menos, se importa menos - sofre menos. 
Quão bom era o tempo dos que sentiam: borboletas no estômago, risos bobos, paixão... Uma infinidade de sentimentos que hoje, são sinônimo de falta, falta segurar a mão, falta o beijo na testa, falta carinho. 
A caminhada lado a lado foi tomada pela corrida dos que preferem estar sempre a frente. E nessa de chegar lá, ao que tudo indica, será só uma noite. Só por uma noite: de cama a intensidade. De vontade a gozação. 
No incessante medo de ser marionete, quem ousa brincar com alguém? Todos, talvez. A dúvida é cruel, mas não compensa arriscar para saber a verdade, a dor e a decepção são maiores. Surgem então os modernos termos e concepções: bloqueio, blindagem, defesa. Toque o corpo, mas não chegue perto do coração.
— Ok, texto da cena 5 está completo.
Ao terminar mais um capítulo para o roteiro que pretendo nomear "amores líquidos", peguei minha xícara de chá e sentei-me a frente do computador para ler algumas notícias - é sempre bom estar informada.
Diante de tantas coisas ruins, meus olhos brilharam ao ler uma uma manchete em especial: um casal gay recriou foto 25 anos após a original ser tirada, para que jovens vejam que amor duradouro existe.

"Que lindo!", pensei. Olhei para cima, para a xícara, tomei mais um gole do meu chá, refleti e aliviada constatei: sim, o amor ainda existe.

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